Por que justamente no momento da história que estamos abandonando a cozinha e delegando o preparo da alimentação à indústria de alimentos, passamos tanto tempo assistindo pessoas cozinharem na TV ou lendo livros sobre o tema?
Qual o gesto que uma pessoa comum poderia fazer para mudar o sistema alimentar, tornando-o mais sustentável e saudável? Como podemos ter compreensão mais profunda do mundo natural e do papel que nossa espécie desempenha nele?
Qual o gesto que uma pessoa comum poderia fazer para mudar o sistema alimentar, tornando-o mais sustentável e saudável? Como podemos ter compreensão mais profunda do mundo natural e do papel que nossa espécie desempenha nele?
Perguntas respondidas por Michael Pollan do New York Times, autor do livro "Cozinhar – A história natural da transformação", lançado no Brasil há poucos meses.
Segundo ele, o tempo gasto com preparo de
alimentos lá nos states caiu para em média 27 minutos por dia, desde a década de 60. Menos
tempo que levamos para assistir ao um programa de culinária na tv... Isso é o que milhões de pessoas fazem
atualmente ao invés de cozinharem, inclusive aqui no Brasil.
Curioso esse interesse, pois não estamos
buscando informações sobre como costurar ou lavar o carro. Cozinhar é diferente e de alguma forma não
queremos nos livrar...
Os antropólogos dizem que “cozinhar nos define enquanto seres humanos – é o ato com o qual a cultura surge”, “Nenhum animal é um cozinheiro”. O ato de cozinhar, e não a fabricação de ferramentas ou a ingestão de carne ou mesmo a linguagem, veio nos diferenciar dos macacos e nos tornou humanos.
Os antropólogos dizem que “cozinhar nos define enquanto seres humanos – é o ato com o qual a cultura surge”, “Nenhum animal é um cozinheiro”. O ato de cozinhar, e não a fabricação de ferramentas ou a ingestão de carne ou mesmo a linguagem, veio nos diferenciar dos macacos e nos tornou humanos.
Por proporcionar aos nossos
ancestrais uma dieta de maior densidade energética e de fácil digestão,
permitiu que nossos cérebros crescessem e nos intestinos encolhessem. Alguns
primatas gastam seis horas por dia mastigando.
Cozinhar assumiu assim parte do
trabalho de mastigar e digerir, o que nos deu uma preciosa reserva de energia e
fez com que empregássemos nosso tempo com outros propósitos, como criar uma
cultura. Nos proporcionou a ocasião - o costume de comermos juntos num momento e
num lugar determinados, nos tornando mais sociáveis e corteses.
Mas o atual declínio do hábito de cozinhar, consequência da vida moderna que terceiriza essa atividade para as indústrias, gerou mais transformações. Muitas delas positivas como as mulheres que puderam ter uma carreira, bem como o acesso a diferentes culinárias a preços módicos. Outras nem tanto, como o preço que pagamos pela industrialização da alimentação, algo que só vem sendo sentido agora por nós.
bolo integral, com recheio de ameixas e cobertura de cacau |
Mas o atual declínio do hábito de cozinhar, consequência da vida moderna que terceiriza essa atividade para as indústrias, gerou mais transformações. Muitas delas positivas como as mulheres que puderam ter uma carreira, bem como o acesso a diferentes culinárias a preços módicos. Outras nem tanto, como o preço que pagamos pela industrialização da alimentação, algo que só vem sendo sentido agora por nós.
As grandes empresas não cozinham como as pessoas: tendem a usar muito mais sal, açúcar e gordura, além dos ingredientes químicos. Não é surpresa que o declínio do ato de cozinhar coincida com incidência da obesidade e de doenças crônicas. Em especial, esse declínio abalou a instituição da refeição compartilhada que é um dos fundamentos da vida em família. O lugar onde as crianças aprendem a arte da conversação e hábitos como repartir, ouvir, ceder a vez, administrar diferenças e discutir sem ofender.
massa integral feita em casa |
Isso representa um problema para
nossa saúde, nossas comunidades, nossa terra e especialmente para nossa conexão
com o mundo. Quando vemos um alimento embalado não o vemos como algo que veio
da natureza. Pensamos em uma mercadoria e acabamos por nos alimentar de imagem.
Cozinhar nos envolve numa rede de
relacionamentos sociais e ecológicos com plantas, animais, solo, fazendeiros,
micróbios dentro e fora do nosso corpo e naturalmente com as pessoas que se
nutrem e se deliciam com a nossa comida. Cozinhar faz com que estabeleçamos
conexões.
tarte tartin de maça |
Contudo, é também algo que nos
deixa debilitados, estimula o desamparo, a dependência e a ignorância.
Delegamos quase todos os nossos desejos e necessidades à especialistas e de
alguma forma esquecemos a responsabilidade dos nossos atos do dia a dia e suas
conseqüências no mundo real.
A poluição das hidroelétricas que mantém a tela do computador acessa, o duro trabalho braçal para colher frutas ou o sofrimento do porco que viveu e morreu para que você pudesse desfrutar do seu bacon. Oculta assim tudo que é feito em nosso benefício por outros especialistas.
A poluição das hidroelétricas que mantém a tela do computador acessa, o duro trabalho braçal para colher frutas ou o sofrimento do porco que viveu e morreu para que você pudesse desfrutar do seu bacon. Oculta assim tudo que é feito em nosso benefício por outros especialistas.
Cozinhar é um antídoto para essa
maneira de estar no mundo. Funciona como um lembrete diário da abundância da
natureza, tornando visível muitas conexões que o supermercado e a substituição
da refeição caseira conseguiram obscurecer.
massa com tomatinhos, abobrinha e lascas de parmesão |
O “meio ambiente” começa a se
situar menos “lá fora”. Pois o que é a
crise ambiental senão a crise no modo que vivemos? Pequenas decisões tomadas
por todos nós dia a dia. Precisamos mudar a maneira como vivemos, como
interagimos com a natureza em nossas cozinhas, jardins, casas e carros.
O fato de passar a cozinhar num
mundo que tão poucos ainda são obrigados a fazê-lo, é declarar nossa
independência dos grandes conglomerados que procuram organizar cada um dos
momentos que passamos acordados e transformá-los em uma nova oportunidade para
o consumo. E o exercício aumenta a
autoconfiança e a liberdade, reduz nossa dependência e ignorância sobre a
origem do que consumimos. Traz de volta o poder para as mãos de nossa
comunidade, reconstruindo economias alimentares locais.
Não precisa ser todo dia, mas
sempre que puder. Existe atividade menos egoísta, trabalho menos alienado,
tempo menos desperdiçado do que aquele gasto preparando algo delicioso e
nutritivo para quem você ama?
delicioso biscoito de aveia, linhaça, coco e ameixa |
Todo o texto até aqui escrito foi retirado do livro "Cozinhar, uma história natural da transformação", de Michael Pollan, em forma de síntese.
Então, cozinhe!
Jana Favato