O
que essa doença fez com corpo e mente?
Ouço falar nessa doença que
não tem cura há pelo menos duas décadas. Primeiro minha irmã perdeu o
útero, ovários, trompas e com eles a possibilidade de ser mãe naturalmente. Há
pouco também fui diagnosticada. Embora tenham sido apenas 37 dias entre
diagnóstico e a cirurgia de retirada dos focos, segundo os médicos eu convivia
com ela há pelo menos cinco anos, tempo em que cresceu e tomou conta dos órgãos
da pelve.
“Endometriose é uma doença
caracterizada pela presença de endométrio fora do útero. O endométrio é a
camada que reveste internamente a cavidade uterina e é renovado mensalmente por
meio da descamação durante o fluxo menstrual. Em algumas situações este tecido,
ao invés de ser eliminado, volta pelas trompas, alcança a cavidade pélvica e
abdominal, gerando a endometriose. A doença pode acometer também os ovários, as
tubas e outros órgãos como o intestino e a bexiga. As células do endométrio, na
pelve, vão funcionar de forma semelhante as que estão revestindo o útero, isso
quer dizer que elas vão "menstruar" também e, é essa menstruação no
lugar errado que é responsável por grande parte dos sintomas da doença.” segundo
Dr. Eduardo Shor.
Veja reportagem: 7 mulheres são operadas por dia em SP |
Numa visão mais prática – em
meu entendimento, a endometriose é o refluxo da menstruação cujo tecido que
deveria ser eliminado volta para o interior do corpo e se aloja externamente aos
órgãos, formando inflamações que podem acometer seu devido funcionamento. Por
esse motivo causa a infertilidade - ovários e trompas não conseguem seguir suas
fases naturalmente - e em casos mais graves danifica o órgão à qual se acopla.
Em meu caso 12 cm entre sigmoide e reto foram retirados, pois o volume de massa
de endometriose na região retrouterina estava começando a comprimir o reto e já
danificava algumas de suas paredes.
Neste post quero
compartilhar como foi o diagnóstico, esperando ajudar mulheres – que como eu –
nem imaginam ter uma doença tão agressiva. A
endometriose é uma doença antiga, mas segundo especialistas por quais passei,
os estudos que a decifram melhor são muito recentes, cerca de 6 anos para cá.
O
DIAGNÓSTICO
Em Abril tive uma consulta
de rotina na ginecologista. Com período atrasado em alguns dias e queixa de cólicas
fora do período menstrual e fisgadas nos seios, a médica desconfiou de cistos
no ovário e solicitou ultrassom de pelve.
Pausa para falar sobre nosso
pobre sistema de saúde brasileiro. Tenho um bom convênio e não consegui vaga
por 20 dias nos laboratórios de Belo Horizonte. Realizei o exame em São Paulo,
cuja disponibilidade era para o dia seguinte.
Resultado do primeiro ultrassom de pelve foi 1 cisto de 3 cm em cada ovário, sendo o laudo “cisto funcional”. A médica nem dissertou
sobre o tema. Simplesmente disse “é normal” e que eu deveria voltar em 3 meses
para acompanhamento.
Laudo do primeiro ultrassom |
Entre abril e julho mais
dores ainda. Por uma dessas coincidências da vida foi o período que conheci Yoga,
me afastei de qualquer tipo de estresse, mudei minha alimentação e práticas
gerais para melhorar a saúde mental e física e assim comecei a ouvir melhor meu
corpo e a perceber que pequenas e diversas dores na região abdominal que sentia
há pelo menos dois anos estavam presentes diariamente. À medida que me
alimentava melhor e praticava yoga, fui emagrecendo, fortalecendo o corpo e
tendo mais sensibilidade para todas as dores que possuía.
Aqui quero destacar o
despreparo de alguns médicos. Como não estudamos medicina, precisamos de
médicos com boas referências, ter muita curiosidade para buscar informações de
fontes diversas e não nos contentar com uma única opinião. Eu fui a uma médica
do convênio, da qual não tinha nenhuma recomendação.
Na primeira quinzena de
julho ainda que insatisfeita com essa médica retornei, uma vez que era fácil
conseguir uma consulta rápida e queria a guia para realizar novo ultrassom de pelve e encontrar um profissional
mais preparado. Novamente o dilema do ultrassom de pelve em BH, dessa vez a
espera era de 40 dias. Como eu sabia que não estava bem, mais que depressa fui
para São Paulo para realiza-lo.
Segundo ultrassom, 3 meses mais tarde |
Durante o ultrassom a médica
me alertou sobre a situação, pois endometriose não pode ser diagnosticada através
de exames isolados. Ela disse que havia mais cistos que em abril, especialmente
no ovário direito, e que indicaria no laudo uma ressonância magnética e demais
testes para um diagnóstico adequado. Tive a iniciativa de falar sobre a
endometriose da minha irmã e ela disse que essa seria uma possibilidade, mas
que o médico deveria solicitar exames complementares. Ela não disse que eu
tinha a doença, mas seus olhos me disseram que havia algo muito errado.
Desse minuto em diante
comecei a ler sobre a doença. Ainda em SP pesquisei renomados médicos sobre o
assunto. Existem portais elaborados por esses profissionais falam com detalhes quase tudo que você precisa saber sobre a endomentriose: http://endometriosesp.com.br/, http://www.endometriose.med.br/, http://www.endometriose.net.br/.
Por
se tratar de doença complexa é preciso se consultar com quem tem experiência.
Nas décadas anteriores muitos médicos simplesmente retiravam útero e ovários
por não saberem tratá-la. Atualmente os especialistas em endometriose tratam a doença de acordo com seu
estágio e a situação individual da paciente. Ou seja, se quer engravidar e tem
a doença no estágio profundo, ele avaliará se tenta fertilização antes ou
depois da cirurgia, de acordo com o risco que a doença está apresentando para
sua saúde naquele momento.
Retornei à BH novamente na mesma
médica, pois consegui consulta para o dia seguinte e queria a guia
para realizar a ressonância magnética. Fiz o ultrassom em SP na terça, na
quinta a consulta com a médica e na sexta a ressonância magnética da pelve.
Vale dizer que retornando à médica em BH, ela disse que o resultado do ultrassom simplesmente “é
normal”. Comecei a questionar sobre os sintomas que tinha e ela perguntou onde
eu queria chegar. Disse a ela que eu queria investigar, que queria fazer a
ressonância sugerida pela médica de SP, que seguia sentindo cólicas e
formigamentos.
Guardem essa resposta, pois
se para médicos essa situação é normal, imaginem para os pacientes que não tem ideia do que estão lidando: “ter cólicas no período menstrual é normal e ter cólicas no período de
ovulação é natural. Por isso, essas dores e o resultado do ultrassom são
normais”. Vejam que existem muitos ginecologistas que não reconhecem os
sintomas da doença. O que agravava minha situação era a ausência de cólicas muito fortes, como a maioria das
mulheres que tem a doença e chegam a ser hospitalizadas. Se nesse
momento eu não insistisse em realizar a investigação, sabe lá o que poderia ter ocorrido.
Antes mesmo de fazer o
exame, busquei recomendação de um profissional em endometriose em Belo
Horizonte para iniciar o tratamento e marquei consulta para a semana seguinte.
Como já havia ligado para o
laboratório e me informado sobre o preparo, dia seguinte encarei a ressonância magnética da pelve. Sendo
assim, na sexta-feira dia 25/07/2014 ao final do exame, o médico veio até mim e
me confirmou - sem sombra de dúvidas - que eu tenho endometriose, que ela
estava no estágio mais avançado - profunda, e que acometia parte do intestino.
Ressonância - imagem de ovários em contraste, onde endometriose cobre os órgãos |
Ressonância - imagem lateral esquerda útero, ovários, reto cobertos de endometriose |
Embora após esse exame eu
tenha passado por vários outros para detalhar e confirmar, esse foi o momento real do diagnóstico.
Quatro dias mais tarde
peguei as imagens e o laudo e comecei a me ver por dentro, começando a entender
as causas e localizar as dores que vinha sentindo. Comecei a ler ainda mais,
agora sobre tratamentos.
Esse foi o momento do medo.
Será que é só endometriose? Será que acometeu útero e ovários e terei que
retirá-los? Será possível fertilização? Será antes ou depois da cirurgia? Será
preciso cirurgia? O que será que causou essa doença?
E talvez a parte que tenha
sido mais dura para mim. Nunca estive doente ou hospitalizada e sempre fui uma
“realizadora”, graças à disposição e saúde. Por outro lado essa vida era regida
pelo estresse, pela pressa e pela ansiedade... E descobri nesse momento que
recentes estudos denominam a endometriose como “a doença da mulher moderna”, a
executiva, que atrasa a maternidade, não se alimenta bem e é praticamente
sedentária. Mensagem recebida e absorvida.
Esse foi o choque de
realidade, muitos aprendizados viriam a partir daí. O post seguinte contará
como foi o tratamento e um terceiro abordará pré e pós cirurgia.
Embora
seja uma doença complexa e de certa forma misteriosa para os médicos, não penso
nela com nenhuma espécie de sentimento ruim. É o endométrio que permite o
alojamento do embrião na parede do útero (nidação).
É ele também que, durante os primeiros meses de gravidez,
permite a formação da placenta, que vai proporcionar, ao longo de toda a gestação,
nutrientes, oxigênio, anticorpos, e outros elementos, bem como eliminar todos os
produtos tóxicos resultantes do metabolismo,
essencial à sobrevivência, saúde e desenvolvimento do novo ser. Ele se
renova mensalmente para que isso ocorra, então ao final ele só quer colaborar
com a geração de um novo ser humano. Aliás, toda a região da pelve existe com essa
finalidade, e por terem tentado sem sucesso todo mês durante 24 anos, algo
acabou saindo errado.
Escute seu corpo. Nunca pense que uma pequena dor é normal, sequer a dor de cabeça. Essa é a forma que nosso corpo nos avisa que algo não vai bem. Faça sua consulta periódica no ginecologista e não se contente com uma resposta "é normal" se você sentir que não é. A endometriose não é uma doença maligna, mas eu perdi 12cm de intestino, conheço que perdeu ovários, útero e trompas e outras que perderam parte da bexiga. A médica disse que ela pode atingir o pulmão e até o cérebro.
Não brinque com essa doença que parece "normal". E lembre-se, ela não tem cura, mas você poder ter várias iniciativas diárias que evitem que ela consuma seus órgãos e lhe traga dores. É possível conviver com ela e a cada dia mais profissionais estão estudando-a para trazer tratamentos preventivos.
Até breve!
Um
abraço
Jana